Dia-a-dia
um diário da performance Distentio Anime no espaço Goethe na Vila.

Cada Vez Mais Perto | Dia #1

Até semana passada estava na dúvida se ia manter o diário da performance, mesmo sabendo que talvez não consiga escrever dia-a-dia sobre a experiência, mas a exposição Cada Vez Mais Perto abriu e sim, preciso continuar escrevendo.

Para muitos eu comentei que a performance Distentio Anime em Curitiba seria uma continuação da performance iniciada na Vila Itororó. Só que como só temos a noção quando ela realmente começa, hoje já posso falar que é um novo trabalho.

Um novo e o mesmo, na verdade. Penso que a performance herda de nós o que Paul Ricoeur chama de identidade-ipse e identidade-idem (1). Ela pode ser um mesmo trabalho mas sempre será outro, pois acontece em outro tempo, outro espaço, outro momento. Performance é presente, performance é presença.

No caso da Distentio Anime, a conexão com a Vila Itororó continua. Inclusive, trouxe a Vila Itororó para Curitiba mesmo, pois sempre perguntam o porquê dos tijolos serem escritos e a história de minha vivência e dos tijolos da Vila vem à tona.

Mas a mudança da natureza do local é tanta, que o trabalho ganha outras dimensões. E aqui nem se refere há questões de ordem históricas, mas sim, geográficas. Em São Paulo eu estava em uma das casas da Vila Itororó, que tinha todo um caminho tortuoso para chegar e com visitação limitada. Agora estou direto na rua, com a divisão de umas vitrines mas fácil acesso as pessoas. Quem passa na rua dentro do seu andar cotidiano já pode me ver, já pode ter acesso ao trabalho se desenvolvendo. Quem se interessar é só entrar pela galeria. Devido a isso, a minha experiência com o trabalho já está sendo totalmente outra, devido a esse fácil acesso que o espaço possibilita.

No sábado, primeiro dia da performance, foi a abertura da exposição. Então, já se esperava um grande fluxo de pessoas. Estava combinado um ponto de encontro onde iriam distribuir os mapas pelos trabalhos e, a partir disso, o público poderia escolher qual espaço para visitar. Mas antes mesmo desse horário, iniciar o trabalho já estava proporcionando algumas novas relações.

Claro que eu estava preocupado com o café. Queria que já estivesse pronto quando as pessoas chegassem. E como não tem a novidade do café paranaense, fiz um preparo de café com cardamomo e canela. E na correria de preparar o café a tempo, já entrou um senhor da rua. Conversando com a Lailana, que faz parte do educativo da exposição e me acompanhou durante o dia todo, ouvi o senhor falando sobre os tijolos, que ele produzia tijolos de areia e toda uma relação com o seu fazer. Esse senhor é o guardador de carros da região e alguém que devo encontrar muito por esses dias.

Um dado momento comecei a levantar uma parede no corredor da galeria e nisso chegou outro senhor. Na conversa descobrimos que ele é um vizinho da galeria e estava curioso com o que estava acontecendo, porque a galeria estava aberta etc. Conversamos sobre a performance e ele chegou a me perguntar até quando ficaria lá e respondi que mais um mês. Ele se despediu com um “então vamos nos ver mais”. Já estou sendo acolhido pela vizinhança.

Bem, com a abertura da exposição muitas pessoas chegaram. Alguns momentos mais, outros menos. Mas o mais incrível é que elas iam ficando. Algumas pessoas entraram ao ver minha ação e a movimentação do público, como uma família que veio me perguntar sobre as propriedades do gesso pois estão pensando em utilizar numa reforma.

Acho que no ápice de pessoas no espaço, eu fazendo gesso para mais tijolos e preocupado se tinha café para todo mundo, vejo a Lailana andando de um lado para outro, fazendo café. Após despejar o gesso nas formas eu fui ver como estavam as coisas e descobri que as pessoas do público mesmo já estavam passando café. Ou seja, todo mundo já estava se sentindo super a vontade. 

Ah sim, já estava me esquecendo de contar: diferentemente de São Paulo, não estou produzindo setas com os restos de gesso, mas sim pequenos tijolos com letras. A idéia veio da minha filha Gloria, 7 anos de idade. Ainda quando eu estava em São Paulo e tinha mostrado que estava a produzir setas ela me falou que eu poderia produzir letras e foi algo que combinei com ela para fazer aqui. Gloria me acompanhou na performance e estava louca para produzir letras também. Mas eu não tinha me atentado ao formato da forma que produzia mini-tijolos também. Gloria, no desenvolver da ação, já começou a criar um labirinto com seus tijolinhos. E no que ela saiu para almoçar, outras crianças chegaram e começaram a brincar com eles também. 

Bem, este foi o primeiro dia. E ainda com todo o movimento e logística do trabalho, consegui produzir 69 tijolos. Até que está bom.

1 Ricoeur, Paul. O si-mesmo como outro. Tradução Ivone C. Benedetti. São Paulo, Martins Fontes, 2014.

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Fernando Ribeiro

Artista da performance e curador, vive e trabalha em Curitiba, Brasil. Ribeiro se destaca como um dos principais artistas da performance do Sul do país. Sua trajetória conta com mais de 17 anos dedicados a performance art, tendo participado de diversos eventos nacionais e internacionais. Também atua como curador de performance na p.ARTE e Bienal de Curitiba.